
A obra do autor é uma fábula contemporânea que mostra os limites da racionalidade humana, onde, assim como nos contos-de-fada, o escritor utiliza-se de situações impossíveis para dissertar sobre o mundano.

O diretor Fernando Meirelles encarou o desafio e transportou de maneira sublime esta obra. Seu domínio da arte é latente em vários segmentos, incluindo uma poderosa seqüência onde vemos o mundo pelos olhos dos personagens.
A edição de Daniel Rezende é digna de palmas, pois é dele um dos momentos mais poéticos do filme: Uma criança, vítima da cegueira, caminha num dos quartos do manicômio (aparentemente com poucos móveis) e tropeça em algo, à primeira vista, inexistente. É quando a edição adiciona ao frame os vários móveis existentes no lugar, incluindo o causador do tropeço do menino. Um pequeno detalhe, que talvez passe despercebido, mas que demonstra que atrás de uma câmera precisa haver uma pessoa criativa. Cinema é feito de boas idéias e neste filme vemos várias.


A muito tempo não assistia interpretações tão convincentes no cinema. A escalação de Fernando Meirelles não podia ser mais acertada !
Julianne Moore realiza o melhor papel de sua carreira, levando a máxima: “Em terra de cego, quem tem olho é rei!” à última potência. Ela desnuda-se em frente da câmera, enfeia-se (o que praticamente lhe garante um merecido lugar entre as indicadas ao Oscar) e emociona.
Gael García Bernal e Mark Ruffalo dão um show de caracterização em cada cena que aparecem. Bernal sendo a antítese perfeita do bom moço interpretado com sensibilidade por Ruffalo. Alice Braga é talentosa, mas ainda não foi neste filme que ela teve a chance de demonstrar totalmente o seu potencial. Sua personagem não aparece tanto e os óculos escuros que ela utiliza durante quase todo o filme não ajudam muito em sua interpretação. Já Danny Glover surpreende aqueles que estavam acostumados com o seu personagem em “Máquina Mortífera”(Lethal Weapon), criando um homem sereno e misterioso, mais próximo de suas atuações em filmes como: “Bem amada (Beloved) e A Cor Púrpura (The Color Purple)”.
O filme é polêmico e possui várias camadas de interpretação, sendo necessário uma segunda visita para se absorver por completo suas várias sutilezas. Porém algumas cenas ficam em nossa cabeça após a primeira exibição, como a analogia com os cães da cidade. Todos mortos de fome, porém nem todos tornam-se agressivos, assim como nem todos os humanos que são levados a conseqüências extremas tornam-se desprezíveis.
A linha que separa o homem da besta é tênue e nem sempre instransponível. Questões como essas são exibidas durante as duas horas de projeção e em nenhum momento a experiência se mostra cansativa ou “cabeça” demais. Tudo que José Saramago quis dizer em sua obra está lá ... basta ter olhos para ver.
Não apenas uma ótima adaptação de um livro magnífico, mas um filme que nos dá gosto de ser cinéfilos. Um ensaio sobre como fazer cinema de qualidade.
NOTA : 9 / 10
Ensaio Sobre a Cegueira - Trailer Legendado:
3 Comentários
Irei assistir assim que estrear.
O "Ensaio sobre a cegueira" não apenas é um livro apenas sobre sociologia, mas também aborda temas muito contemporâneos, como os sacrifícios e perdas.
Não assisti o filme ainda, mas desde já estou aguardando-o com ansiedade. Gostei muito do trabalho de Fernando Meirelles em O Jardineiro fiel, acho que ele está sendo muito inteligente, pois escolhe filmes baseados em obras muito complexas.
A partir de agora irei ser uma tiete deste blog. Parabéns ao Otávio pela crítica e ao André pela iniciativa. Uma prova de que a juventude nem sempre é fútil e vazia.